Desde o ambiente que cada leitor escolhe, passando pelo seu género de eleição até às imagens que surgem mentalmente com o avançar da história, ler é uma experiência diferente para cada pessoa.
Sobre o ambiente de leitura considero que existem dois tipos de leitores. Por um lado, existem os que se concentram em qualquer lugar, abrindo o livro assim que podem e sem qualquer problema com ruídos, conversas próximas, televisões ligadas ou música. Por oposição existem aqueles, nos quais me insiro, que precisam de criar o seu próprio espaço para ler, sem sons distrativos nem conversas paralelas. Para estes, acho que é mais desafiante introduzir a leitura na rotina diária.
Não gosto de ler em ambientes ruidosos ou muito movimentados nem com pessoas a falar à minha volta. Se a TV está ligada ou existe música ambiente sei que vou acabar a reler o mesmo parágrafo três ou quatro vezes. Não é o burburinho indistinto que me afeta. São as conversas perfeitamente audíveis ou um filme a passar no fundo em que consigo distinguir vozes e falas. Contudo, à excepção da adolescência, as circunstâncias da vida raramente me permitiram estar sentado durante horas a fio num lugar tranquilo a saborear as páginas de um livro. À media que cresci e as responsabilidades cresceram comigo, tornou-se mais dificil conseguir manter o hábito da leitura sem um ambiente propício.
Criar o meu próprio ambiente no caos da rotina
Ao longo de dez anos trabalhei com atendimento ao público, passei por alguns escritórios pequenos e dei formação presencial. Na maioria dos casos a sala de refeições era pequena e com tudo a acontecer ao mesmo tempo. Aqui, sabia que as distrações me iriam frustrar ao ponto de fechar o livro. Noutros casos, o almoço era com colegas e equipas em ocasições em que a ética social dita que não é correto deixar tudo em suspenso para abrir um livro. Decidi então mudar a minha estratégia.
Foi então que descobri duas maravilhosas ferramentas para a minha leitura, uma das quais se mantêm até hoje. A primeira foram os meus AirPods com cancelamento ativo de ruído. Anulam todo o ruído exterior e devolvem-me aos meus pensamentos, de tal forma que se tornaram automáticamente nos meus fieis companheiros de leitura. A segunda, até há pouco tempo, era a app Bookly. Permitia-me registar toda a minha biblioteca, definir a leitura atual e acompanhar os meus tempos de leitura. A combinação destas duas ferramentas facilitou-me a criação do meu prórpio ambiente e permitiu-me manter o tão desejado tempo de leitura na minha rotina, encaixando-o no meio da azáfama diária. Tornou-se mais fácil ler nas tais salas de refeição onde tudo acontecia em simultanêo ou na área de restauração de um qualquer shopping a que o trabalho me levasse.
(Fazendo um "à parte", permitam-me que esclareça: Não acho que a leitura deva ser deixada para os momentos antes de ir dormir. Em mim, tem um de dois efeitos: ou me desperta ainda mais ou o cançaso do dia se sobrepõe e não tiro prazer algum das páginas. É este o motivo pelo qual me preocupo com a inclusão da leitura no meu quotidiano. Isso e porque gosto genuinamente de ler, claro.)
O bom, o mau e a corrida
Sobre o Bookly posso afirmar que foi, durante muito tempo, um ótimo parceiro de leitura. Com lembretes diários e contabilização dos recordes pessoais, cumpriu a sua função e trouxe até algumas novidades muito bem vindas. A que mais me despertou o interesse foi a biblioteca de sons de fundo que contava com um riacho a correr, vento numa floresta, chuva e tempestade com trovões, o burburinho indistinto de um café e até os sons de fundo da cidade. Em retrospectiva, penso que foi a ferramenta certa para a fase certa da minha vida. Lembrava-me, à hora definida, e acompanhava as minhas leituras com mais estatísticas do que aquelas que alguma vez achei necessárias. Permitia-me definir objetivos realtivos a quantos livros queria ler no ano e também sobre quantas queria dedicar por dia. Dizia-me, inclusivé, quantas horas faltavam para terminar aquele livro, de acordo com a minha velocidade de leitura. Foi, sem dúvida, um companheiro à altura do desafio. (Digo "um" e não "uma" devido à mascote da app que podemos "vestir" para condizer com o que estamos a ler ou talvez com o nosso género preferido.)
Contudo, sendo eu uma pessoa intra-competitiva (se é que este termo existe), a utilização de uma app deste género teve o seu lado negativo. Dei por mim a acelarar cada vez mais a minha leitura, página após página e a definir metas que sabia que não seriam atingidas. Queria ler mais em menos tempo e isso rapidamente se revelou contraditório ao prazer que procuro nos livros. Na maior parte dos casos acabei por ter que reler várias páginas porque, sem me aperceber, o foco passara a ser a corrida contra mim.
Voltar ao básico
O grande entuito de uma aplicação deste género, a meu ver, está dividio em duas partes. Primeiro ajuda a criar o hábito e depois a mantê-lo. Para mim a questão estava toda na segunda parte. Por isso. deixei a subscrição da app terminar e apaguei-a. Durante algum tempo voltei ao básico. Voltei ao simples prazer da leitura. Sem métricas nem objetivos, lendo apenas pelo prazer de ler.
Com o tempo, as circunstâncias da vida mudaram, como é natural e passei a trabalhar por contra própria. A minha rotina deu uma volta completa e passei a ter a facilidade de gerir o meu próprio horário. O carro passou a ser um segundo escritório, sendo o primeiro em casa, e o meu ambiente passou a ser controlado por mim. Tornou-se muito mais simples manter a leitura como parte da rotina diária. Seja quando levo o miúdo aos treinos de futebol ou quando tenho um vídeo a exportar para um cliente. Os tempos "mortos" são faceis de preencher com a leitura atual e é ainda mais fácil criar tempos dedicaos aos livros.
Mais recentemente comecei a utilizar o Notion, por motivos profissionais, e rápidamente me apercebi do potêncial desta ferramenta. Voltei a registar algumas das métricas da minha leitura mas mantive os erros do passado bem presentes para que não se repitam. Sobre o Notion e a minha "biblioteca digital" falarei noutro dia.
Até já e boas leituras.
Isaac Barradas